Fulaninha: pequena aferição

por Mario Cascardo

Para início, o primeiro plano, provavelmente referido por Hernani Heffner em sala de aula como o mais bonito no cinema brasileiro. Está uma árvore e os créditos, que passam; rasam pássaros e começa o movimento da câmera: lentamente, da verde copa rumo à Copacabana. Copacabana e sua natureza própria. Um dos poucos planos abertos de A Fulaninha, filme debruçado sobre miudezas bairristas, mas atento e referente a questões nacio-geracionais. Natureza de ser cinema.

O bucolismo em que a árvore insiste é substituído pela fachada do prédio, numa sequência que pode ser lida (e aqui tento ler a escolha de Hernani) como salto entre os primeiros cinemas brasileiros, o regionalismo de Humberto Mauro, e o momento urbano de escassês de esperanças e cinemas em meados da década de 80. Em ambos a colheita do espontâneo, cinemas carentes de demasiados artificialismos e teorias.

O filme é a aventura de filmar. Como Mauro emboscava pássaros com sua câmera. Copacabana uma grande armadilha para captura e sobrevivência do filmando. O vídeo do personagem Bruno, que flagra a fulana em planos similares aos que David Neves registrou, com sobras de negativo de amigos, momentos cotidianos do cineasta de Cataguazes, remetendo ao filmar de Humberto na ativa. Copacabana de Neves uma cachoeira.

(Buscar analogias é inevitável depois de se ter lido e ouvido a respeito dos cineastas. Mais ainda tendo Fulaninha sido visto por nós em seguida ao curta Mauro, Humberto. Fulaninha, no entanto, sobrevive ao hermetismo das metalinguagens e referencialismos. É um filme divertido, dos maiores sucessos de bilheteria daquele período.)

Confirma-se o lido na crítica dedicada ao cineasta: cinema sem teles, sem recortes de luz e pessoal. Moradoramador, completo e compreendo
um pouco o professor: um plano fértil para o cinema.