Debate com Hernani Heffner - parte I

O professor Hernani Heffner foi à sessão de O Exorcismo Negro, no dia 31 de outubro de 2006, e conversou conosco sobre a obra de José Mojica Marins. Aí vai:

Esse tipo de cinema sempre desenvolveu essas relações entre criador e criatura. Que no fundo é o que está na origem disso tudo, na literatura gótica lá do fim do século 18, início do século 19. Que ganha algumas configurações muito definidas, clássicas, tipo Frankenstein e O Médico e o Monstro... é uma estrutura muito recorrente na literatura de terror e no cinema de terror. Que diz muito de uma raiz cultural. Põe em cena e põe em cheque uma determinada estruturação da sociedade. Esse filme, Exorcismo Negro, é um filme bastante curioso na trajetória do Mojica, na trajetória do personagem, e na própria condução desse tipo de cinema dentro da Boca do Lixo, em São Paulo, ali na passagem dos anos 60 para os anos 70, porque foi assim uma das produções mais caras da carreira do Mojica. Era um grande produtor, o Massaini, que talvez fosse àquela altura, em termos financeiros, o maior produtor da Boca: ele tinha feito filmes mais caros, mais sofisticados, e com uma tentativa de grande presença no mercado, Independência ou Morte, o Casamento de Esmeralda, etc. e ele se voltou para a figura do Mojica, para o personagem do Zé do Caixão no sentido de não só buscar um elemento de mercado já comprovado – o Mojica era uma figura muito popular ai no começo dos anos 70 – mas também era um signo de um tipo de cinema que tinha voltado à tona com uma nova chave ali naquele momento. E o filme faz breves, brevíssimas menções a essa nova referência, que era O Exorcista, um filme americano que durou um certo tempo para chegar ao Brasil mas que tinha chegado ao Brasil ainda na década de 70, muito cortado, muito censurado, mas que de qualquer maneira fez muito sucesso... por coisas que se moviam, pescoços que se retorciam.. Aqui tem uma cena meio sem pé nem cabeça que é da cadeira que anda, entra no quarto da menina, etc, e que é um pouco uma tentativa de lincar, razão de ser dessa produção, a razão de ser de buscar vez a personagem, a dupla personagem de Mojica/Zé do Caixão, e utilizá-los como elementos de mercado dentro de uma produção aparentemente mais bem cuidada. Eu digo aparente porque a própria natureza desse subgênero, é preciso ter em mente o que é esse tipo de cinema, como é que ele se configura em meados dos anos 50 até o final dos anos 70, quando ele vai desaparecer de fato, e como é que ele configura uma determinada estética. É sempre uma estética que foge do certinho, que foge do bem feito. Foge de um certo enquadramento mais tradicional. Esse cinema surgiu como uma produção de baixo curto, B, uma produção com um circuito secundário de exibição, um circuito muito propriamente popular, fenômeno que ocorreu nos EUA, na Europa, no Brasil. O Mojica aflora dessa estratégia, aflora desse universo, e essa estética ela é muito dificil de definir – muitos dizem mal feito, muitos dizem tosco, uns tentam sofisticar um pouco mais, falam trash, bizarro, alguns até tentam criar categoria para isso. Talvez aquela que mais se aproxime seja aquela do psicotrônico, não sei se vocês já ouviram falar disso.

– Esse filme é psicotrônico! Isso vem de um estudioso americano que criou esse termo, era na verdade uma enciclopédia do cinema psicotrônico, Que envolve esse universo das múmias, dos zumbis, dos demônios, das figuras que estariam num mundo paralelo, num outro mundo, enfim, fora dos padrôes sociais normais, tradicionais. Psicotrônico lembra muito um estado alterado do ser, da alma, alguma coisa que foge de uma visão e de uma percepção digamos assim comum. Sobretudo o psicotrônico mais típico, tá muito associado ao universo das drogas, a esse estado alterado da mente no momento da viagem, e que empresta todo esse universo e associa a esse cinema essa chave-base que é assim: permite-se tudo! O personagem pode ser de qualquer maneira, pode fazer qualquer coisa, se estabelecer a partir de justificativas e motivações tênues ou às vezes nenhuma. AS coisas acontecem simpesmente porque acontecem, não há uma razão mais direta e não há uma sust mesmo estética para que as coisas aconteçam. Acontecem e ponto. Quando o Mojica surge pra valer, a partir do segundo filme, o A meia Note, ele responde diretamernte a uma inserção nesse universo cultural. E nesse momento aquilo significa uma ambiguidade enorme. Ali nos anos 60 o personagem do Zé do Caixão não e´nem bom nem mau. E ele tem algumas características que são bastante interessantes: ele p ex se aproxima de uma relação com o catolicismo, que ainda aparece aqui (no filme) como quadro cultural, religioso, mais unido em relação ao personagem, que é uma coisa que não existia. Sobetudo em relação ao Brasil. Não sei se vocês sabem, mas um dos filmes psicotronicos que já tinham sido criados, já tinham sido produzidos, e já tinham inserido o Brasil dentro desse universo.

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