Ato de violência

por Rodrigo Cazes

Ato de Violência (1979) se insere dentro de um momento do cinema brasileiro em que os filmes policiais estavam em evidência, impulsionados pelo imenso sucesso de Lúcio Flávio, Passageiro da Agonia (1977), de Hector Babenco, no qual, em meio a um thriller bastante eficiente, se esboçavam algumas críticas ao esquadrão da morte da polícia carioca. Na mesma época o rei das pornochanchadas, Carlos Mossy, lançava Ódio (1977), sobre um advogado que vira assassino para vingar sua família, no melhor estilo Desejo de Matar. Outros dois filmes são seminais do gênero, aliás muito em voga também no cinema americano dos anos 70, dentro da cinematografia nacional: República de Assassinos (1979), de Miguel Faria Jr., que retrata, em tom de crítica, a vida do policial do esquadrão da morte carioca Mateus Romeiro e o reacionário Eu Matei Lúcio Flávio, de Antonio Calmon, em produção de Jece Valadão, que interpreta o líder do esquadrão da morte carioca, Mariel Mariscotte.

Ato de Violência narra a história do psicopata paulista, um serial-killer Chico Picadinho, no filme ocultado pelo pseudônimo “Antônio” (Nuno Leal Maia), que, após cumprir pena por um crime de assassinato e esquartejamento, sai da prisão e comete o mesmo delito, sendo preso de novo. O filme acompanha o personagem o tempo todo, numa narrativa que costura presente e passado, tentando desvendar o mistério que há por trás desse assassino brutal. De fato Antonio é vítima do abandono afetivo de sua família desestruturada, de uma sociedade que não dá mais oportunidades a ex-presidiários, enfim, de um mundo opressor, onde Antônio não se encaixa. Mas nem ele mesmo dá a resposta para o problema de sua doença: não há um porquê. Nisso o filme é interessante, mostrando as falhas da ciência positivista que não consegue enxergar a doença de Antonio mesmo após tantos anos e tantos testes psicológicos e psiquiátricos.

Onde o filme talvez não consiga mergulhar fundo é no próprio Antonio que, se não sai da tela em quase nenhum plano, permanece para nós um ser um tanto distante. Talvez o diretor tivesse medo de romantizar a figura do serial-killer, transformá-lo numa espécie de ícone ao avesso (nos EUA há uma mania até de colecionar cards desses criminosos), mas tanta frieza não fica bem para um tema tão terrível. O filme tem um diálogo forte com o documentário, especialmente nas cenas filmadas na prisão do Carandiru e isso talvez, em uma época de documentários ainda muito preocupados com uma “neutralidade”, tenha influenciado na decisão de não mergulhar fundo no personagem principal, em sua marginalidade (há uma seqüência em que isso se esboça, uma ronda desesperada e solitária de Antonio pela “boca-do-lixo” paulista, mas ainda é pouco) e sim mantê-lo apenas como um “objeto de estudo” e não como um amigo. Se isso tivesse ocorrido poderíamos ter aqui o grande filme brasileiro sobre serial-killers (que eu me lembre o único sobre esse tipo de assassino) mas, como ficou, mesmo correto, até demais, é apenas um bom filme a mais na filmografia policial brasileira, que ainda aguarda nova incursão sobre o tema. Destaque especial para a trilha musical, com os mestres da música instrumental brasileira Mauro Senise, Egberto Gismonti, Luiz Chaves e Robertinho Silva.

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